Nápoles é o tipo de cidade que você pode amar ou odiar. Uma das cidades mais lindas do Mediterrâneo, mas também uma das mais problemáticas da Europa. Cheia de contrastes e contradições, esta pérola italiana, que hoje aparece na imprensa mundial submersa por montanhas de lixo, políticos incompetentes e inertes diante da máfia mais poderosa do mundo, já foi, por incrível que pareça, há poucas décadas, uma das cidades mais ricas e elegantes da Europa, ponto de encontro dos ricos e famosos do mundo inteiro durante os longos meses de verão.
A primeira vez que estive em Nápoles foi há onze anos, e confesso que foi paixão à primeira vista: recém chegada de uma viagem de trem de Munique, na Alemanha, passando rapidamente por Roma, Nápoles se apresentava como algo totalmente diferente do que já tinha visto até então no meu giro pela Europa, e ao mesmo tempo tão familiar: carros, motos, pessoas, circulando e sorrindo, alegres e simpáticos, mas sem muitas regras, apenas uma hospitalidade raríssima no charmoso e ranzinza Velho Mundo.
Hoje, com o olhar afiado em direção à Nápoles do filme “Gomorra” e com uma paisagem diante dos olhos inundada pelas montanhas de lixo (resultantes direto desta “camorra”, a máfia napolitana: “Nápoles: Beleza roubada” ), me esforço para trazer a minha mente aquela sensação que tive em meados do ano 2000, que me fez desejar voltar a esta cidade por tantos anos. Entre diversas idas e vindas, há cerca de um ano estou fixa aqui, tentando viver Nápoles em toda sua intensidade. Mas hoje me pergunto se foi meu olhar que mudou, ou se a cidade realmente está se deteriorando cada vez mais. Para além das dificuldades da vida quotidiana, existem também os fatos, inegáveis para o olhar de qualquer turista desavisado que desce de um cruzeiro para passar quatro horas rodando pela cidade.
Assim, aproveito esta oportunidade para justamente trazer de volta este olhar adocicado sobre Neapolis, cidade de mar e de arte, tão amada por tantos e notáveis estrangeiros, a começar pelos reis franceses e espanhóis que aqui dominaram por tantos séculos e por aqui deixaram suas marcas, fazendo desta uma cidade única na Europa.
O caos e a gastronomia
Em Nápoles, o caos é parte da atração para quem visita pela primeira vez. O povo napoletano é o estereótipo italiano multiplicado à quinta potência: fala alto, grita, gesticula demais, pendura roupas com cordinhas da janela do vizinho, não gosta de regras, muito menos as de trânsito, consome café e cigarro demais, é intrometido na vida dos outros, se interessa principalmente e totalmente pelo que você comeu na última refeição e possui certamente a melhor gastronomia da Itália. Além de ser uma das capitais europeias mais econômicas para se fazer turismo. As melhores pizzas da cidade, com direito a cerveja ou vinho, na mesma pizzaria onde Sophia Loren, Bill Clinton ou Julia Roberts comeram, não custarão mais do que € 8 (oito euros).
As peixarias com frutos do mar frescos, se você estiver hospedado em algum local com cozinha, são uma ótima pedida, mas antes, experimente comer em uma das tantas tratorias de frutos do mar espalhadas pela cidade (que, dependendo de onde for, nao custarão mais do que 20 euros por pessoa, incluindo vinho e couvert), e não esqueça de pedir dicas ao garçom ou ao atendente da peixaria sobre como preparar os pratos, antes de se aventurar na cozinha.
Em Nápoles se pode experimentar não apenas a melhor pizza da Itália, mas também a melhor muzzarela de búfala fresca do mundo, o melhor pão caseiro italiano, o melhor café expresso (se vier no verão, experimente o sensacional café freddo, uma espécie de frozen café, ou o supercalórico Caffé del Nonno, uma mousse gelada de cappuccino), doces típicos incríveis como o Babá ao rum ou a clássica sfogliatella (doce de massa folhada recheado com ricota doce). Enfim, faça uma dieta antes ou depois, mas nunca durante sua visita.
Cidade de arte
Além disso, Nápoles é cidade de arte. O Museu Arqueológico Nacional reúne todas as peças retiradas das escavações em Pompéia e, portanto, vale muito mais visitar o Museu do que as próprias ruínas, distantes 30 minutos de trem do centro da cidade. O Museu de Capodimonte reúne uma das maiores coleções de arte moderna da Europa, além de ser o único museu do mundo que coloca lado a lado arte antiga e arte contemporânea, incluindo nomes como Caravaggio, Goya, Botticelli, entre outros. Localizado dentro de um parque, no topo de uma montanha, também possui uma das melhores vistas de Nápoles.
O Castel Sant’Elmo, antiga fortaleza de proteção da cidade localizado sobre a colina do Vomero, com vista de 360° do Golfo de Nápoles e por onde se chega subindo o famoso funiculare que inspirou a canção, é sede de ótimas e frequentes exposições de arte contemporânea e festivais de cinema, design e artes plásticas. Mas, a atual menina dos olhos de Nápoles, é o Museu Madre de Arte Contemporânea, uma verdadeira pérola no centro histórico da cidade, com uma exposição permanente que o torna um dos museus mais importantes de arte contemporânea da Europa e exposições temporárias de altíssimo nível curatorial que atraem estudantes, pesquisadores e artistas do mundo inteiro (“Salve o Madre”). Além dos museus, a arte está também, como em todas as cidades da Itália, nas ruas, na arquitetura e nas igrejas.
Aconselho vivamente, para quem já chega em Nápoles cansado de visitar igrejas na Itália, ao menos uma visita à Igreja do Gesù Nuovo, na Piazza de mesmo nome, no coração do centro histórico da cidade. Católicos ou não, a Igreja possui, além de uma beleza interior fascinante, uma lenda sobre uma suposta energia especial que a protege em seu interior. Energia que possui uma explicação exotérica na fachada do prédio que abriga a Igreja, um muro coberto de pequenas pirâmides que apontam para o externo. O prédio, antes de se tornar propriedade dos padres jesuítas, foi construído por um nobre da região no século XV, que, aconselhado por alguns mestres esotéricos, construiu a fachada com as pequenas pontas apontando para fora, as quais se acreditava que enviavam para o exterior do prédio as energias maléficas e negativas. Lenda ou não, a Igreja realmente possui uma energia especial e encanta os visitantes.
A arte napolitana também está nos artistas de rua. Circulando pelas piazzas do centro histórico, será difícil não encontrar pelo menos um grupo de músicos tocando a clássica tarantella, revisitada com ares modernos, em meio aos estudantes. Porém, visita obrigatória é a Rua San Gregório Armeno, onde estão os ateliês e lojas dos tradicionalíssimos artesãos dos presépios napolitanos, guardiões de uma arte secular e familiar (veja mais aqui), que, como bons napolitanos, se reinventam de tempos em tempos e hoje divertem turistas e moradores com as cômicas estátuas de famosos, caricaturas em escultura dos principais fatos da vida quotidiana italiana e mundial.
Costa Azzurra
E por fim, Nápoles é uma cidade de mar, e que mar! A região portuária, ao lado do centro histórico, abriga dois diferentes portos turísticos de onde partem os barcos para Capri, Ischia e Procida (as três ilhas do Golfo de Nápoles), e também para Sorrento, Positano, Amalfi e outros destinos turísticos. Ainda na cidade, é possível apreciar uma bela caminhada pela beira-mar, de onde se avista o Castelo di Sant’Elmo e as partes altas da cidade, com toda sua milionária imponência. Seguindo pela beira-mar em direção ao norte, chega-se ao porto de Mergellina, de onde também partem barcos públicos e privados para as ilhas. Mais adiante, começa a exclusivíssima Via Posilipo, rua que segue pela costa azurra por entre mansões, hotéis e restaurantes de luxo, cortando o bairro mais rico de Nápoles, onde se encontra inclusive a residência de verão oficial do Presidente da República italiana. No final desta rua, encontram-se o esplêndido Parco Virgiliano, com uma vista completa do Golfo de Nápoles, e a pérola escondida chamada Gaiola, única praia pública e gratuita da região, ponto de encontro de jovens descolados durante o verão, que abriga uma reserva natural aquática, controlada por uma organização ambiental e que possui acesso limitado de 400 pessoas. Portanto, no verão, é preciso literalmente chegar cedo para garantir lugar.
Saindo da cidade, o principal e imperdível passeio a se fazer é a mítica Capri. A mais linda das três ilhas do Golfo de Nápoles, Capri pode ser percorrida a pé (se você estiver em forma!) e possui águas maravilhosas para mergulhar, além de beach clubs, restaurantes, bares e hotéis charmosíssimos. (Confira esse texto ) Para chegar lá, basta pegar os barcos que partem de todos os portos de Nápoles. A viagem dura entre 30 e 90 minutos (dependendo do tipo de embarcação).
Compras
Por ser uma cidade econômica, compras também são uma boa pedida em Nápoles, principalmente de roupas, calçados e acessórios. A regiões do Vomero e Chiaia reúnem as grifes italianas e estrangeiras, o Centro Histórico as boutiques modernas e vintage, e as proximidades da estação central, ao longo do Corso Umberto, lojas populares com descontos e promoçoes constantes.
Vida noturna
A vida noturna se concentra basicamente na região central, com destaque para o Centro Histórico, mais alternativo, com artistas, estudantes e boêmios em geral, e os bairros de Chiaia e Vomero, reduto de mauricinhos. As grandes discotecas se localizam um pouco mais distantes do centro, nas regiões de Bagnoli e Fuorigrotta, com destaques para alguns beach clubs que abrem apenas no verão, como o badalado Nabillah, em Torregaveta.
Como se locomover:
Apesar de ser a terceira maior cidade da Itália, com 1,5 milhão de habitantes, a região central de Nápoles é relativamente pequena e a maior parte das coisas podem ser feitas a pé. Desaconselho alugar carros para circular na cidade, salvo quem estiver realmente afim de novas aventuras. Vale alugar carro para seguir em direção às costas de Amalfi e Sorrento ou mesmo Salerno. Existem duas linhas de metrô, a Linha 1 que liga a Piazza Garibaldi (estação central) à região da beira-mar e a Linha 2, que liga a Piazza Dante, no centro histórico, com as partes altas da cidade, como o Vomero (Piazza Vanvitelli). Para os turistas, aconselho se locomover com os ônibus (as principais linhas da Piazza Garibaldi seriam R2 e 601, que levam para as partes turísticas, e o querido 140, que nos leva para a praia da Gaiola e a zona de Posilipo), além das incríveis quatro linhas de funicolare da cidade para subir para as partes altas.
Onde dormir e comer:
Aconselho hotéis econômicos na região do Centro Histórico e Via Roma, pela facilidade de circular. Para comer as melhores pizzas, escolha qualquer uma das pizzarias da Via Tribunali, a mais badalada (e excelente) se chama Sorbillo. A mais tradicional de todas se chama Da Michelle, tem poucas mesas, oferece apenas dois sabores e está escondida em uma travessa do Corso Umberto, mas, no entanto, atrai admiradores de toda Itália. No Quartieri Spagnoli, tradicional (e antigo) reduto da máfia italiana, a poucos passos da Via Roma, a Trattoria Nenella, com mesas a céu aberto e garçons espirituosos, oferece os melhores frutos do mar da cidade a preços super econômicos. Um bom drink ou um bom café podem ser saboreados na deliciosa Piazza Bellini.
No bairro de Chiaia, a zona dos “baretti”, cheia de gente jovem e bonita, reúne diveros bares que oferecem ótimos quitutes gratuitos para acompanhar os drinks.
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Este é um guestpost de Aline Buaes (alinebuaes.blogspot.com). Aline é jornalista, natural de Porto Alegre (RS), atuou como redatora pela Agenzia Ansa e Portal Terra. Colabora com diversas publicações, entre elas a revista Comunità Italiana e a Editora Prima Página. Recentemente obteve o título de Mestre em Literatura Italiana pela Universidade de São Paulo com a tese “Protegido pelas contradições – Coletânea de crônicas jornalísticas de Pier Paolo Pasolini (1960 a 1965)”.
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Este artigo faz parte da campanha “Apresente sua cidade!” aqui no Brasil na Italia. Se você quiser participar, escreva um texto sobre a sua cidade e envie com fotos para brasilnaitalia@gmail.com . Para saber mais clique aqui.
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a cidade mais latinoamericana de europa…..
realmente voce conseguiu descrever lindamente tudo oq tem de melhor nesta cidade.. Eu a adoro… pena que poucos a valorizam ou têm medo de ir ate la. Nao entendo pq nao faz parte de muitos guias turisticos brasileiros….a gastronomia é excelente, rica, saudavel, de boa qualidade.. por ex, em Roma é mto mais dificil achar restaurantes bons como em Napoli…
eu particulamente nao troco veneza por napoles e como trocar o rio de janeiro por paraiba
Eu moro na italia e pra dizer a verdade nunca li nada tao bonito assim de napoles, infelizmente na regiao que vivo todo mundo fala mal de napole, eles dizem que la è cidade do crime, do caos e etc. Fico triste em escutar isso, porque sei de la saiu grandes artistas e musicos e sem falar da gente alegre que vive ali, eu estive em napole uma vez, era um periodo bruto, a cidade era suja e etc, mais tambem vi tantas coisas bonitas, sem falar na pizza que é deliciosa a minha preferida. Sinto muito que o povo aqui nao reconhecem a gradeza de napole.Slave napole.
[…] eu não saí dos aeroportos. Assim, cheguei! E tirando a incrível e inesquecível visão do Vesúvio (o vulcão de Napoli), que me distraia e encantava no caminho até a cidade vizinha, na costeira Amalfitana, meu destino […]
Adorei, Aline! Agora então estou meio obrigado a revisitar Nápoles, já com esse olhar mais crítico mas também nostálgico que teu texto mostra.
Ao ler este artigo fiquei com vontade de retornar à Nápoles! É uma cidade realmente inesquecível pela sua peculiaridade, pela sonoridade característica de suas ruas, pela espontaneidade de seu povo em receber os turistas e pela famosa gastronomia. Gostei muito da maneira como a Aline descreve a beleza de Nápoles, dentro de seus contrastes, entre o lixo e a beleza da natureza, será sempre a bela Nápoles, que embora maltratada pelos dirigentes políticos, se mantem ainda como uma grande metropole italiana,onde se convive com os vestígios do passado ,registrados pelos belos monumentos arquitetônicos e também pelas ruelas do centro histórico,declarado patrimonio mundial pela UNESCO.
Oi Aline
A tua mãe me passou o artigo, é claro.
Mas adorei, realmente conheci Napoles pelo teu artigo. As fotos estão bárbaras! E, por fim não precisava falar na comida…..fiquei babando…
Um beijo e parábens,
Martha
Ótima descrição Aline. Lendo seu texto ainda consigo sentir os aromas e o caos dessa cidade! Napoli sempre será uma cidade especial pelos seus contrastes e por seus calorosos e peculiares habitantes! rs Uma ótima dica pra quem deseja conhecer a Itália.
Adorei! Napoles è uma cidade dificil pra quem nasceu aqui, imagina pra quem vem de fora!mas o que eu digo, vamos resistir, vamos tentar melhorar essa cidade…se todo o mundo foge e va em bora, quem fica, o que è que fica? Essa cidade precisa de pessoas como Aline, como eu, como De Magistris e de todas as pessoas que ainda acreditam que tem uma esperança pra essa cidade renascer!